quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Ai, o Amor! Sempre dá um jeito de nos laçar...



SOBRE O AMOR

"Então, disse Almitra: "Fala-nos do Amor."
E ele levantou a cabeça, olhou para o povo, e um silêncio caiu sobre eles. E com forte voz falou-lhes, dizendo:

Quando o amor vos acena, segui-o,
Embora seus caminhos sejam ásperos e escarpados.
E quando suas asas vos envolverem, rendam-se a ele,
Embora a espada escondida entre suas plumas possa ferir-vos.
E quando ele vos falar, acreditai nele,
Embora sua voz possa arrasar vossos sonhos como vento do norte devasta o jardim.

Pois assim como o amor vos exalta, também ele vos crucifica. E tanto ele age em vosso crescimento como em vossa poda.
E assim como ele sobe até vossa altura e acaricia vossos ramos mais tenros que balançam so sol, assim também desce até vossas raízes e as sacode em seu abraço à terra.

Como feixes de messe ele vos aperta junto de si.
Ele vos açoita para mostrar vossa nudez.
Ele vos peneira para seprar-vos de vossas palhas.
Ele vos mói até a brancura.
Ele vos amassa até que estejais macios;
E então vos destina a seu sagrado banquete de Deus.

Todas essas coisas o amor fa´ra convosco para que possais conhecer os segredos do vosso coração, e com esse saber vos tomeis parte do coração da Vida.

Mas, se em vosso medo procurardes apenas a paz e os prazeres do amor, então será melhor vós que cubrais vossa nudez e abandoneis a eira do amor, para um mundos sem estações onde ireis rir, mas não todos os vossos risos, e ireis chorar, mas não todas as vossas lágrimas.

O amor nada dá, a não ser de si mesmo, e nada recebe senão de si próprio.
O amor não possui e não quer ser possuídos.
Pois o amor basta-se a si mesmo.

Quando amais, não devei dizer "Deus está em meu coração", mas dizei "Eu estou no coração de Deus." E não penseis que possais dirigir o curso do amor, pois o amor, se vos achar dignos, dirigirá vosso curso.

O amor não tem outro desejo que não chegar à própria plenitude. Todavia, se amardes e necessitardes ter desejos, que sejam estes vossos desejos. De vos confundires e ser como um regato que canta sua melodia para a noite. De conhecerdes a dor da ternura em excesso. De serdes feridos pela vossa própria compreensão do amor. De sangrardes de boa vontade, alegremente. Acordar ao amanhecer com o coração alado, dando graças por mais um dia de amor. Descansar ao meio-dia e meditar sobre o êxtase do amor. Voltar para casa ao anoitecer com gratidão.

E então adormecer com uma prece para o bem-amado no coração, e uma canção de bem-aventurança nos lábios.

(Khalil Gibran, em O Profeta, 1923)

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