
Caça às bruxas é ambientado na Idade Média, à época das cruzadas. No início do filme, somos apresentados ao cavaleiro Behmen (Nicolas Cage) e sua desilusão com as guerras religiosas. Mais além, assistiremos à sua trajetória, ao lado de uma série de companheiros, na tentativa de conduzir uma garota suspeita de ser bruxa até um mosteiro distante. Fácil ver que é filme em trânsito, de peregrinação, em que cada um dos heróis será confrontado consigo mesmo, principalmente no que se refere a seus medos, e precisará enfrentá-los ou cair. Sutilmente, Caça às bruxas talvez esteja mais próximo dos road movies atuais que de boa parte das narrativas ambientadas na Idade Média.

Mesmo assim, constrói suas melhores sequências a partir das tradições dos gêneros em que se inspira. Do filme de sustos às atmosferas que buscam o medo cria, por exemplo, seu prólogo. A ação dos velhos filmes de aventura capa e espada ganha novas formas na luta e na perseguição pela floresta (que filme comercial americano sem sequência de perseguição é impossibilidade teórica), ou no confronto final. E o tempo todo opera com o jogo entre o que sabemos e o que as personagens sabem, com a disputa entre nossos medos e expectativas e os dos heróis – o que resulta, por exemplo, na sequência ambientada na cova coletiva da cidade assolada pela peste.
Tudo isso é sentimento e entretenimento de qualidade. Caça às bruxas vai além ao ser capaz de retratar, sem perder a verossimilhança de sua ambientação medieval, algum desengano e algumas esperanças do ser humano na contemporaneidade. Logo no princípio de sua narrativa, somos confrontados ao fato de que nós e Behmen temos à frente uma coleção de inimigos: a Igreja, o mal (num sentido sobrenatural), o obscurantismo da sociedade, o poder. Aos poucos, perceberemos algo que pode ser precioso além de todos estes.
Se a Igreja como instituição pode ser perversa, a fé e a espiritualidade ajudam nossos heróis a construir sua aliança e alcançar o objetivo. O mal sobrenatural só pode existir fundado na maldade humana, ou seja, a compaixão e a solidariedade são capazes de eliminá-lo. O grande instrumento do mal é a ignorância – o conhecimento liberta. E se o poder institucionalizado resulta necessariamente em injustiça e sofrimento, a liderança individual, baseada no mérito e no respeito, é capaz de vencer todos os obstáculos. O ser humano é bondade e liberdade, parece nos dizer Caça às bruxas, embora frequentemente crie seus próprios obstáculos ou se entregue voluntariamente a eles.
(Marcelo Avellar)
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